Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2049/17.5T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
PODER DISCIPLINAR
SUPERIOR HIERÁRQUICO COM PODER DISCIPLINAR
CADUCIDADE
SUSPENSÃO PREVENTIVA
BAIXA MÉDICA
Nº do Documento: RP201806252049/17.5T8AVR.P1
Data do Acordão: 06/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º278, FLS.314-329)
Área Temática: .
Sumário: I - Em processo laboral, mercê da regra do art.º 77.º1, do CPT, o tribunal superior não deve conhecer da nulidade ou nulidades da sentença que não tenham sido arguidas, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, mas somente nas respectivas alegações, sob pena de nessa parte ocorrer a nulidade de acórdão por excesso de pronúncia.
II - Só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova.
III - Não tem qualquer utilidade nem faz sentido o autor vir invocar testemunhos em sede de impugnação da sentença por alegado erro de julgamento na aplicação do direito aos factos. A indicação de testemunhos só tem razão de ser para efeitos de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nada mais.
IV - O inicio do prazo de caducidade de 60 dias para exercício do poder disciplinar ocorre com o conhecimento da infracção pelo empregador “ou superior hierárquico com competência disciplinar”. Não basta, pois, o conhecimento por qualquer superior hierárquico, ainda que esteja no topo do hierarquia, como será aqui o caso por se tratar de um director executivo, sendo absolutamente necessário que esse superior hierárquico tenha “competência disciplinar”, atribuída.
V - Não deve confundir-se a competência de quem pode comunicar o facto para efeitos disciplinares, na consideração do mesmo constituir ilícito disciplinar, com o poder/competência para efectivamente o exercer.
VI - O empregador só procederá à suspensão preventiva do trabalhador se o entender necessário. A suspensão preventiva visa obstar à presença do trabalhador na empresa quando a sua permanência no decurso do processo disciplinar se mostrar inconveniente. Não é forçosa, nem a sua aplicação é decisiva para aferir da gravidade dos factos, designadamente, na perspectiva do empregador.
VII - No caso, a necessidade ou conveniência de proceder à imediata suspensão do autor era questão que nem se colocava, visto ele estar ausente da empresa por se encontrar em situação de baixa prolongada. Mais, se porventura regressasse ao trabalho estando ainda a decorrer o processo disciplinar, nada impedia a Ré de então proceder à sua suspensão preventiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 2049/17.5T8AVR.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I. RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca de Aveiro – Juízo do Trabalho de Aveiro, B… deu início à presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, através da apresentação do requerimento em formulário próprio a que se referem os artigos 98.º C e 98.º D do Código de Processo do Trabalho, demandando C….”, com o propósito de impugnar o despedimento que por esta lhe foi comunicado por escrito, na sequência de procedimento disciplinar.
Pede que se condene a Ré a ver declarada e reconhecida a ilicitude do despedimento.
Foi designado dia para a audiência de partes a que alude o art.º 98º-F, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, a qual veio a ser realizada, mas sem que se tenha logrado alcançar a resolução do litígio por acordo.
A Ré, notificada para o efeito, apresentou articulado motivador do despedimento alegando, em síntese, que o A. tinha como funções recolher dos marinheiros cobradores o produto da venda dos bilhetes ou títulos de transporte, procedendo à entrega das quantias recebidas e do original do “auto de entrega” na tesouraria da R..
O Autor ficou em seu poder com quantias que lhe foram confiadas pelos marinheiros cobradores D… e E…., no valor total de, respectivamente €4.037,20 e €1.039,15, resultantes da venda de bilhetes. E quando instado pela R. a entregar tais quantias, respondeu não ter na sua posse qualquer valor ou documento.
Ao não entregar as quantias em causa, de que ilegitimamente se apropriou e fez suas, o A. lesou seriamente o património da R., que enquanto empresa municipal detida exclusivamente pelo Município F…, constitui património de natureza pública.
Assim infringindo os deveres de obediência, realização do trabalho com zelo e diligência, cumprimento das ordens do empregador referentes à execução e disciplina do trabalho, lealdade, velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe oram confiados e promoção e execução de todos os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, previstos nos arts 128º n.º 1, als. a), c), e,) f), g) e h) do Código do Trabalho.
Sendo a sua actuação susceptível de integrar a prática dos crimes de furto, abuso de confiança e burla.
Dada a sua gravidade e consequências, os factos culposamente praticados pelo A. são susceptíveis de integrar justa causa de despedimento, por tornarem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Conclui pedindo que a acção seja julgada improcedente, declarando-se a regularidade e licitude do despedimento.
Juntou o respectivo processo disciplinar.
Notificado para o efeito, o trabalhador autor veio contestar.
Em defesa por excepção arguiu a prescrição do procedimento disciplinar, argumentando para tanto que este só teve início 101 dias depois do conhecimento dos factos pela R. e o inquérito prévio, para se considerar regularmente realizado, deveria ter começado até 19 de Agosto de 2016, só dessa forma tendo a virtualidade de interromper o prazo de prescrição.
Apresentou, ainda, defesa por impugnação, contrapondo a sua versão dos factos, alegando que sempre entregou na tesouraria da R. a totalidade dos montantes recebidos dos marinheiros cobradores, não podendo ser responsabilizado por possíveis falhas na transcrição para a contabilidade dos valores apresentados na tesouraria, ou mesmo no arquivamento dos comprovativos de entrega, visto tratar-se do procedimento seguinte ao exercício das suas funções, sendo que após a entrega dos montantes e respetivos autos, o Autor não fica na posse de quaisquer comprovativos de entrega, antes ficando estes no arquivo da Ré.
Alega, também, que sempre se comportou perante os seus superiores hierárquicos e colegas de trabalho, de forma exemplar e que procurou contribuir para esclarecer a questão, entregando nas instalações da R. toda a documentação que possuía relativa ao assunto, mesmo estando de baixa médica.
Além disso, o procedimento disciplinar prolongou-se por mais de nove meses, desde a verificação dos factos, sem que a R. o tenha suspendido preventivamente, mantendo-se a relação contratual inalterada durante todo esse tempo, o que é contraditório com a ideia de que se tornou imediata e praticamente impossível a sua subsistência. Pois se é verdade que se encontra de baixa médica desde finais de Julho de 2016, podia ter alta médica a qualquer momento e, se assim fosse, poderia regressar ao trabalho, sem mais.
Conclui pugnando pela inexistência de justa causa de despedimento e, consequentemente, pela sua ilicitude, em função do que pede a sua reintegração, “com todas as consequências daí resultantes”.
Respondeu a entidade patronal, defendendo a improcedência da excepção da prescrição invocada e pedindo a improcedência da acção.
Foi proferido despacho saneador, onde se entendeu dispensar a realização de audiência preliminar, por não o justificar a complexidade da causa, bem assim a selecção da base instrutória, neste caso ao abrigo do disposto no art.º 49º n.º 3 do Cód. de Processo de Trabalho.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida decisão fixando a matéria de facto provada e não provada.
I.2 Subsequentemente, foi proferida sentença encerrada com o dispositivo seguinte:
-“Em face de todo o exposto, julgando regular e lícito o despedimento, absolvo a R./Empregadora do pedido.
*
Custas pelo A./Trabalhador (art.º 527º n.ºs 1 e 2 do Cód. de Processo Civil), sem prejuízo da isenção de que beneficia, nos termos do art. 4º n.º 1, al. h) do Regulamento das Custas Processuais, visto que é filiado em sindicato, sendo patrocinado gratuitamente pelos respectivos serviços jurídicos (cfr. fls. 102 v.º) e não auferiu rendimento ilíquido superior a 200 UCs (€20.400,00), como resulta da declaração de IRS de fls. 123 e segs..
Registe e notifique.
*
Fixo em €2.000,00 o valor da acção – cfr. art. 98º-P, n.º 2 do Cód. de Processo do Trabalho.
(..)».
I.3 Inconformado com esta sentença, o trabalhador autor apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido e fixado o modo de subida e efeito adequados.
Encerrou as alegações com conclusões, mas verificando-se que na elaboração das mesmas não houve o cuidado de proceder à síntese a que apela o art.º 639.º 1, do CPC, nos termos do n.º 3, do mesmo artigo, foi proferido despacho pelo aqui relator convidando o recorrente a reformular as suas conclusões, no prazo de cinco dias, suprindo a deficiência apontada, sob pena de se não se conhecer do recurso.
No prazo concedido o recorrente veio apresentar as conclusões reformuladas que seguem:
1. O Tribunal a quo, não se pronunciou sobre o alegado pelo Recorrente nos artigos 36. a 39. da Contestação, no que se refere à desorganização no funcionamento da Recorrida, tratando-se de um facto essencial à boa decisão da causa, o que consubstancia nulidade prevista no artigo 615., n. 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
2. A desorganização e desrespeito pelo sistema implementado na Recorrida, leva à impossibilidade de assegurar de forma adequada o manuseamento das quantias em questão, sobretudo na sua entrega e no seu recebimento, abalando a certeza de o erro ter sido do Recorrente.
3. Para decidir quanto a esta matéria, o Tribunal a quo, teve à disposição as declarações de parte do Recorrente, assim como a prova testemunhal produzida, designadamente, através dos depoimentos das testemunhas G…, H…, D… e I… - declarações de parte do Recorrente (MA), contidas na faixa 3 das gravações da audiência de julgamento, do dia 15.11.2017, pelas 14h27, da qual se obteve a seguinte prova: 00:22:10 a 00:23:00 e 00:27:23 a 00:28:28; testemunha G… (MF, contidas na faixa 4 das gravações de audiência de julgamento, pelas 14h34, 00:03:16 a 00:04:49; Testemunha D…, faixa 9 da gravação da audiência de julgamento, do dia 15.12.2017, pelas 15h29, 00:04:16 a 00:08:16; Testemunha I…, faixa 11 das gravações da audiência de julgamento do dia 15.12.2017, pelas 15h56, 00:04:24 a 00.06:32.
4. Em suma, o Recorrente explicitou que a Ordem de Serviço emitida pela Recorrente, não era respeitada pelos marinheiros cobradores nem pelos funcionários que recebiam as quantias recebidas pela venda dos bilhetes, visto que, em vez de entregarem os montantes em questão ao Recorrente para que este entregasse à Recorrida, mediante os funcionários da Tesouraria, a entrega e o recebimento dos valores era feito diretamente entre marinheiros-cobradores e os funcionários da Tesouraria; versão esta corroborada pelas diversas testemunhas inquiridas.
5. À desorganização e desrespeito pelas ordens dadas pela Recorrida, acresce ainda a utilização de um sistema completamente arcaico para a aferição da regularidade das contas prestadas pelos marinheiros cobradores, feito de forma esporádica, assistemática e manual, sendo um sistema facilmente manobrável e falível, o que deveria ter levado à aplicação do princípio in dúbio pro reo por parte do Tribunal a quo.
6. Por seu turno, mal esteve o Tribunal a quo ao considerar como provado que o Recorrente não entregou à Recorrida as referidas quantias, que os trabalhadores D… (€2.234,60) e E… (€1.039,15) lhe confiaram e como não provado que o Recorrente não procedeu à entrega de quaisquer montantes à Recorrida, aquando da entrega da documentação em Agosto de 2016, por ter já procedido a essa entrega no momento de entrega dos autos correspondentes, ainda no mês de Julho de 2016, não possuindo por isso mais valores e/ou documentação propriedade da Recorrida.
7. Em relação a esta matéria, houve por parte do Tribunal a quo lapso na interpretação da prova testemunhal produzida, nomeadamente os depoimentos prestados por G… (Faixa 4, das gravações da audiência de julgamento que teve lugar no dia 15.11.2017, pelas 14h34 — 000:02:11 a 00:03:03; 00:04:50 a 00:05:38), H… (faixas, das gravações de audiência de julgamento, que tiveram lugar no dia 15.12.2017, pelas 14h48 — 00:01:30 a 00:02:37); Testemunha I… (faixa 11 das gravações da audiência de julgamento, cujas declarações foram prestadas no dia 15.122017, pelas 15h56, 00:01:00 a 00:03:34).
8. Nos depoimentos em causa descreve-se o procedimento normal da entrega e recebimento das quantias cobradas pelos marinheiros cobradores, bem como do procedimento de análise das contas, em nenhum momento sendo possível afirmar que o Recorrente recebeu as quantias entregues pelos marinheiros cobradores e não as entregou à Recorrente.
9. O próprio Recorrente (na faixa 3 das gravações da audiência de julgamento, do dia 15.11.2017, pelas 14h27, 00:02:01 a 00:03:15; 00:03:58 a 00:05:21; 00:05:35 a 00:05:41;00:07:05 a 00:09:24) esclarece que todas as quantias que se encontram como recebidas nos autos de entrega assinados por ele foram-lhes entregues e ele entregou na Tesouraria, passando esta um recibo, ou uma espécie de declaração, as quais apenas não poderiam apresentar em juízo por que não as tinha em seu poder. O Recorrente assumiu sempre o recebimento das quantias, mesmo tendo tido oportunidade de desmentir tal facto, considerando que as rubricas constantes dos autos de recebimento apresentadas são totalmente diferentes entre elas.
10. Da prova somente se conclui que existe uma falha no registo na Tesouraria relativamente à entrada dos valores, não sendo possível provar de forma concreta e inequívoca que não houve entrega efetiva dos montantes por parte do Recorrente.
11. Das declarações de parte do Recorrente (na faixa 3 das gravações da audiência de julgamento, do dia 15.11.2017, pelas 14h27, 00:15:35 a 00:18:44), bem como do depoimento da testemunha J… (faixa 6 das gravações da audiência de julgamento, cujas declarações foram prestadas no dia 15.12.2017, pelas 15h00, 00:04:04 a 00:08:12), resulta que o Recorrente, procedeu à entrega dos autos de entrega alegadamente em falta em Julho de 2016, não lhe sendo possível entregar outra vez em Agosto de 2016.
12. Dos depoimentos resulta que em Agosto de 2016 o Recorrente entregou um saco com toda a documentação que lhe restava, não tendo sido possível confirmar que os triplicados de autos de entrega relativos às quantias em discussão estavam em falta. O depoimento da testemunha J… baseia-se em meros pressupostos e declarações vagas.
13. Não se tendo devolvido ao Recorrente os documentos em apreço, deverá aplicar-se-ia a inversão do ónus da prova, cabendo à Recorrida provar de forma efetiva que nenhum dos documentos entregues pelo Recorrente correspondia à terceira via dos autos de entrega em análise, devendo ainda demonstrar que os factos ocorreram, e se verificaram nos termos em que alega. Contudo não se apresentou qualquer tipo de prova documental da falta das quantias em apreço.
14. O Recorrente teve um comportamento exemplar durante a vigência do contrato de trabalho, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo que decidiu dar como não provados os factos b), c) e e).
15. A conclusão supramencionada resulta dos depoimentos das testemunhas Dr. K… (MC) (faixa 2 das gravações da audiência de julgamento que teve lugar em 15.12.2017, pelas 13h39, 00:04:47 a 00:05:11), J… (faixa 6, das gravações da audiência de julgamento do dia 15.12.2017, pelas 15h00, 00:03:33 a 00:04:04) e I… (faixa 11, das gravações de audiência de julgamento que teve lugar no dia 15.12.2017, pelas 15h56, 00:10:30 a 00:11:13), que afirmaram categoricamente que nunca se verificou situação semelhante em relação ao Recorrente.
16. Em suma, apreciando a prova nos concretos termos em que a mesma foi produzida, sempre o Tribunal deveria ter dado como provados os factos supra identificados nas alíneas b), c), d) e e) dos Factos Não Provados, bem como a hipótese de a desorganização da Recorrida e desrespeito dos funcionários desta pelas normas de entrega e receção das quantias cobradas pelos marinheiros cobradores terem podido estar na origem da falta de registo das quantias em apreço; e como não provados os factos acima listados como Fados Provados na alínea ee), não o fazendo, o tribunal a quo incorre em erro de julgamento, quanto à matéria de facto, devendo por isso ser revogada a douta sentença recorrida.
17. Existe caducidade do procedimento disciplinar, contrariamente à decisão do Tribunal a quo, em desrespeito pelo disposto no artigo 329., n.º2, do Código do Trabalho, pois, o conhecimento dos factos ocorreu efetivamente em 16.08.2017 com o recebimento pelo Dr. K… (superior hierárquico com poderes disciplinares) do email remetido pela Dra. L…, nos termos referidos no ponto m) dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, como resulta da prova documental junta aos autos, designadamente emails trocados entre o Dr. K… e a Dra. L…, em 04.08.2016 e 16.08.2017, bem como com o depoimento da testemunha K… (Faixa 2, das gravações da audiência de julgamento, cujos depoimentos tiveram lugar pelas 13h49, 00:09:57 a 00:10:11), da testemunha H… (faixa 5 das gravações da audiência de julgamento que teve lugar no dia 15.12.2017, pelas 14h48 - 00:08:32 a 00:09:32; 00:12:12 a 00:13:20), e da testemunha I… (faixa 11, gravações de audiência de julgamento, do dia 15.12.2017, pelas 15h56 - 00:01:00 a 00:03:35; 00:06:37 a 00.08:09), que corroboram tais factos.
18. O procedimento prévio de inquérito instaurado não era efetivamente necessário para fundamentar a nota de culpa, sendo este intempestivo, aquando da deliberação do Conselho Liquidatário para abertura do mesmo, não cumprindo com os requisitos previstos no artigo 354.º2, visto que o Superior Hierárquico com poderes disciplinares, teve conhecimento dos factos pelo menos em 16.08.2016, a conferição dos bilhetes e valores em questão foi feita em 20.07.2016, e era conhecida a suposta autoria da infração. Factos estes corroborados nos depoimentos da testemunha H… (faixa 5, das gravações da audiência de julgamento que teve lugar no dia 15.12.2017, pelas 14h48, 00:12:12 a 00:13:21).
19. Mais, mesmo assumindo como data de início do termo do prazo de caducidade, a indicada pela Recorrida e pelo Tribunal a quo, i.e., o dia 27.10.2016, e mesmo considerando a regularidade do procedimento prévio de inquérito, houve caducidade do processo disciplinar, por se ter ultrapassado o prazo de caducidade de 60 (sessenta) dias previsto no artigo 329., n..º 2, do Código do Trabalho, visto que, pelo menos até ao dia 30 de Dezembro de 2016, o Recorrente não tinha sido regularmente notificado, conforme resulta do documento junto aos autos pela própria recorrida.
20. Por seu turno, o procedimento disciplinar terá de ser declarado nulo, por se encontrar caducado, já que mesmo que se considere o procedimento prévio de inquérito como regular, nos termos do disposto na parte final do artigo 354..º, o procedimento interromperá o prazo de caducidade, desde que a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo, sendo que o procedimento prévio de inquérito terminou em 25 de Novembro de 2016, e que, pelo menos, até ao dia 30 de Dezembro de 2016, o Recorrente não tinha sido efetivamente notificado.
21. O Tribunal a quo violou ainda o artigo 351.º, n..º 1 do Código do Trabalho, no que se refere à inexistência do pressuposto de impossibilidade imediata de manutenção da relação laboral visto que, a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho não foi imediata visto o Recorrente não ter sido suspenso preventivamente, podendo ter retomado o serviço a qualquer altura, desde que tivesse alta médica.
22. À não suspensão preventiva do Recorrente, acresce o facto de a Recorrida ter demorado cerca de seis meses até ao envio da nota de culpa, e três até iniciar o processo disciplinar o que demonstra a falta de impossibilidade IMEDIATA de subsistência da relação de trabalho.
23. Do exposto somente se podendo concluir pela irrelevância disciplinar dos factos em apreço, e, consequentemente, pela inexistência de justa causa de despedimento, por não se encontrarem cumulativamente preenchidos os requisitos previstos no n.º2 do artigo 351.º do CT, sendo dessa forma ilícito o despedimento do Recorrente.
Conclui pugnando pela procedência do recurso, sendo revogada a sentença proferida e substituída por decisão que declare a irregularidade e ilicitude do despedimento do Recorrente, dando ainda como provados os fados supra identificados nas alíneas b), c), d) e e) dos Factos Não Provados, bem como a hipótese de a desorganização da Recorrida e desrespeito dos funcionários desta pelas normas de entrega e receção das quantias cobradas pelos marinheiros cobradores terem podido estar na origem da falta de registo das quantias em apreço; e como não provados os fados acima listados como Factos Provados na alínea ee), devendo ser indemnizado nos termos do artigo 391.2 de Código do Trabalho.
I.4 A recorrida apresentou contra-alegações, encerradas com a conclusão – única – seguinte:
- « (..) com o supra alegado, de forma sintética, entende a Recorrida C… (em liquidação) que a douta sentença prolatada pelo Mmo Juiz de Direito do Tribunal do Trabalho da Comarca de Aveiro, colocado em crise pelo Recorrente através do presente recurso, deverá ser integralmente mantida, com a consequente improcedência total do referido recurso (..)».
I.5 O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso. Sustenta-se no mesmo, no essencial, o seguinte:
- A arguição da nulidade da sentença prevista na al. d) do n.°1, do art.° 615.° do CPC, que se encontra na peça única (de alegações/arguição), não está feita de modo separado das alegações, não se mostrando cumprido o art.º 77.º 1 do CPT, por isso não devendo ser conhecida.
- A matéria que o apelante pretende ver aditada, relacionada com a alegada desorganização e desrespeito, é meramente conclusiva, integrando meros juízos subjectivos, sendo assim insusceptível de integrar a matéria de facto (cfr. arts. 5.° n.°1 e 607.° n.°s 3 e 4, do CPC).
- Quanto à alteração da resposta aos factos que impugna, os excertos transcritos pelo recorrente não só não confirmam a versão por si pretendida, como estão em consonância com a decisão sobre a matéria de facto e respectiva motivação.
- A alegada caducidade do procedimento disciplinar assenta em factos que não logrou demonstrar.
I.5.1 Respondeu o recorrente autor rebatendo aquele parecer, no essencial reiterando as posições assumidas no recurso sobre essas questões.
I.6 Cumpridos os vistos legais, remeteu-se o projecto de acórdão aos excelentíssimos adjuntos e determinou-se a inscrição para julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas para apreciação respeitam ao seguinte:
i) Nulidade da sentença;
ii) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
iii) Caducidade do procedimento disciplinar;
iv) Inexistência do pressuposto de impossibilidade imediata de manutenção da relação laboral.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual seguinte:
1. A R. é uma entidade empresarial municipal que, nos termos dos seus estatutos, tem como objecto social a produção, exploração e gestão da rede integrada de transporte público urbano, designadamente nas áreas de: a) Transporte rodoviário colectivo regular de passageiros; b) Transporte fluvial de passageiros; c) Serviço de Bugas – Bicicletas de Utilização Gratuita de …; d) Organização e gestão do transporte escolar; e) Exploração e/ou gestão do estacionamento oneroso, de superfície ou subterrâneo; f) Transporte alternativo, nomeadamente minibus, táxi colectivo, transporte ferroviário ligeiro de superfície, veículos de energia limpa; g) Exploração e gestão de parques de estacionamento, de armazenagem, de recolha, de parqueamento, de cargas e descargas e de outras actividades logísticas conexas, terminais ou centros de camionagem; h) Serviços associados de turismo e publicidade; i) Actividades complementares que, directa ou indirectamente, contribuam para a criação sustentada duma oferta multimodal de transportes e a gestão integrada duma rede pública de mobilidade.
2. Para a prossecução cabal do seu objecto social, a “C…”, goza das prerrogativas de autoridade pública indispensáveis à prestação dos serviços públicos enunciados no número anterior do presente artigo, tais como: a) Cobrar e arrecadar as tarifas e preços aprovados pela Câmara Municipal F… sob proposta sua; b) Exercer os poderes de fiscalização atribuídos à concedente Câmara Municipal F… nos contractos em vigor de concessão dos parques subterrâneos de estacionamento e arrecadar as respectivas rendas; c) Fiscalizar, em articulação directa com as demais entidades fiscalizadoras, nos termos previstos no artigo 5 do Decreto-Lei nº 44/2005 de 23 de Fevereiro e no Decreto-Lei nº 327/98 de 2 de Novembro, alterado pela Lei nº 99/99 de 26 de Julho, o cumprimento das disposições do Código da Estrada, das normas constantes de legislação complementar e do Regulamento das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada no Município F…; d) Criar, construir e gerir as redes de circulação e de transportes que por lei estejam atribuídas à administração municipal; e) Implementar as formas de articulação necessárias à definição da política municipal de transporte, estacionamento e organização do trânsito; f) Administrar o domínio público municipal colocado sob a sua jurisdição mediante os presentes estatutos ou por protocolos a celebrar com a Câmara Municipal; g) Estabelecer, mediante contrato ou protocolo, as parcerias público-privadas, incluindo concessões, adequadas ao desenvolvimento do seu objecto, sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 33º dos seus estatutos e da obtenção de prévia autorização da Câmara Municipal nos casos em que a mesma seja exigida; h) Adquirir e alienar os bens, equipamentos, direitos e serviços a eles relativos e necessários à prossecução da actividade social da empresa, bem como proceder à organização e actualização do cadastro dos seus bens; i) Exercer todas as actividades complementares e subsidiárias relacionadas com as anteriores ou outras que lhe venham a ser cometidas pela Câmara Municipal F…, dentro das atribuições da empresa.
3. No exercício da sua actividade, a R. admitiu o A. como seu funcionário, através de contrato de trabalho sem termo, desde 1 de Abril de 2005; e anteriormente já o era da “M…”, empresa municipal entretanto extinta e que antecedeu a R., desde 1 de Agosto de 1990.
4. Ao serviço da R., o A. exerceu as funções de encarregado geral operacional nas embarcações que faziam o serviço público de transporte (marítimo/fluvial) entre N… e o O….
5. No âmbito das referidas funções e das que lhe foram atribuídas pela empresa, que o mesmo desempenhou durante mais de uma década, e fazendo parte do seu conteúdo funcional, o A. tinha a missão de: a) Recolher dos marinheiros cobradores o produto da venda e respectiva cobrança de bilhetes ou títulos de transporte; b) Conferir os montantes recebidos através dos mapas de venda dos mesmos que lhe são entregues pelos marinheiros-cobradores; c) Emitir “auto de entrega” dessas quantias em três vias, destinando-se o duplicado ao marinheiro-cobrador, o original à tesouraria/contabilidade da empresa e o triplicado a ser arquivado no livro respectivo; d) Proceder à entrega das referidas quantias recebidas e do original do “auto de entrega” na tesouraria da empresa, contra a entrega de documento assinado pelo próprio e pelo funcionário que recebe.
6. No decurso da sua prestação de trabalho, o A. exerceu as funções laborais supra descritas, sempre sob a autoridade e supervisão da R., que mediante os seus representantes e superiores hierárquicos, dava instruções e ordens de trabalho ao A. sobre o modo de desempenhar essas mesmas funções.
7. Tendo tal relação laboral perdurado até à data do despedimento do A., em 7 de Abril de 2017.
8. Auferindo o A., à data do seu despedimento, a remuneração mensal base de €1.456,72.
9. A 20 de Julho de 2016, o A. solicitou ao funcionário da R., I…, a entrega de bilhetes destinados ao marinheiro-cobrador D… – o que levantou no funcionário I… dúvidas, por achar que o referido D… ainda deveria ter em sua posse bastantes bilhetes para venda.
10. Face a essas dúvidas, o funcionário I… contactou o referido D…, questionando-o sobre a razão de ter solicitado mais bilhetes, quanto ainda deveria ter bastantes na sua posse – ao que este respondeu já não possuir praticamente nenhuns, por os haver vendido e entregado o valor proveniente da respectiva venda ao A..
11. O desfasamento reportado levou os serviços de tesouraria e de contabilidade da R. a efectuarem uma conferência geral dos bilhetes na posse dos trabalhadores D… e E… e das quantias que os mesmos entregaram provenientes das vendas efectuadas, concluindo-se que em resultado da venda de bilhetes que lhes tinham sido entregues, o primeiro deveria possuir em seu poder €4.037,20, e o segundo €1.039,15.
12. Quando lhes foi perguntado, os trabalhadores D… e E… afirmaram que não possuíam tais quantias, por as terem entregado ao A., para este as entregar na R., como era regra e uso na empresa.
13. No dia 4 de Agosto de 2016, a funcionária da R., L…, remeteu ao Diretor Executivo da R., K…, um e-mail com o seguinte teor:
K…, Boa tarde!
O encarregado da C1…, Sr. B…, apresentou contas da C1… no dia 26 de Julho (terça-feira). No entanto, apenas apresentou as contas do marinheiro P…, quando tinha recebido também as contas do marinheiro D….
Continuou sem apresentar contas nos dias 27 e 28 de Julho.
Ficou doente no dia 29 de Julho (sexta-feira) e depois entrou de férias.
Tenho tentado entrar em contacto com o funcionário para apresentar as contas, no entanto nunca atende o telefone.
O marinheiro D… já falou com ele para ele apresentar as contas, tendo este referido que vinha à empresa, no entanto nunca apareceu.
Como devemos proceder?
Estou disponível para qualquer esclarecimento. (…)”.
14. O A. esteve de férias e/ou de baixa médica, pelo menos a partir de Agosto de 2016.
15. Em Agosto de 2016, num domingo, o A. entregou nas instalações da R., ao funcionário Q…, um saco de plástico, com blocos contendo triplicados de “autos de entrega”, pedindo que fosse entregue ao tesoureiro da R., J….
16. Na segunda-feira seguinte, o tesoureiro da R., J…, recebeu de um funcionário da R., de nome S…, o referido saco de plástico.
17. Instado por escrito pela R., em 24 de Outubro de 2016, a proceder à entrega das quantias que estavam à sua guarda e que lhe tinham sido confiadas pelos marinheiros cobradores, o A. afirmou, via e-mail datado de 27 de Outubro de 2016, “não ter na sua posse qualquer valor ou documento pertencente à C…”.
18. Em 28 de Outubro de 2016, a Comissão Liquidatária da R. deliberou a abertura de um procedimento de inquérito para averiguação dos factos ocorridos e da eventualidade de existência de procedimentos constitutivos de infracções disciplinares e/ou criminais, por parte do A., ao abrigo e para os efeitos previstos no artigo 352º do Código do Trabalho.
19. Mais deliberou a Comissão Liquidatária da R., na mesma reunião, designar o Exm.º subscritor do … para instruir o respectivo inquérito, fixando-lhe um prazo de 30 dias para apresentação do competente relatório.
20. Tendo sido concluído o referido inquérito preliminar em 25 de Novembro de 2016, com a conclusão/proposta de a Comissão Liquidatária da R. instaurar processo disciplinar com vista ao despedimento contra o A; e apresentar queixa-crime contra o A. no DIAP (Departamento de Investigação e Acção Penal) de Aveiro.
21. Na mesma data (25 de Novembro de 2016) em que foi recebido o relatório do inquérito preliminar, a Comissão Liquidatária da R. deliberou aprovar tal relatório, aderindo na íntegra às conclusões finais e propostas no mesmo formuladas.
22. Em 15 de Dezembro de 2016, concretizando a deliberação da Comissão Liquidatária da R. de 25 de Novembro de 2016, foi remetida ao A. Nota de Culpa, com o teor que consta de fls. 60 a 63 dos autos, visando o seu despedimento com justa causa, pela prática das seguintes infracções disciplinares, previstas no Código do Trabalho: Art. 126º n.º 1 – não ter atuado de boa fé no exercício e no cumprimento das obrigações do contrato tido com a empresa; Art. 128º n.º 1 alínea c) – não ter desempenhado com zelo as funções inerentes ao seu contrato de trabalho; Art. 128º n.º 1 alínea e) – não ter cumprido as ordens e as instruções do empregador em matéria de execução do seu contrato de trabalho; Art. 128º n.º 1 alínea g) – não ter velado pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o trabalho que lhe foram disponibilizados pela empresa; Art. 351º n.º 2, alínea a) – desobediência ilegítima a ordens dadas por superiores hierárquicos; Art. 351º nº 2, alínea d) – desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do seu cargo; Art. 351º n.º 2, alínea e) – lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa.
23. Sendo imputada também ao A. na nota de culpa, a prática dos ilícitos criminais p. e p. nos artigos 203º do Código Penal (“furto”); 205º do Código Penal (“abuso de confiança”); e 217º do Código Penal (“burla”).
24. A R. não suspendeu preventivamente o A..
25. Notificado para tanto, o A. entregou a sua defesa no dia 23 de Janeiro de 2017, com o teor que consta de fls. 67 v.º a 74 dos autos, tendo requerido a inquirição de uma testemunha (Q…).
26. A 8 de Março de 2017 foram inquiridas as testemunhas arroladas pelo instrutor do procedimento e pela defesa do A., sempre na presença da Ilustre Mandatária deste, Exma. Sra. Dr.ª T… – tendo sido reduzidos a auto os respectivos depoimentos.
27. Ouvidas as testemunhas arroladas e não tendo sido requeridas, ou achado necessário realizar, outras diligências probatórias, foi declarada encerrada a instrução do procedimento disciplinar, em 9 de Março de 2017.
28. Terminada a instrução do processo, foi elaborado relatório final, datado de 3 de Abril de 2017, com o teor que consta de fls. 83 v.º a 88 dos autos, propondo a aplicação ao A. da sanção de despedimento com justa causa.
29. A R. subscreveu a decisão proposta, que foi comunicada ao A. em 7 de Abril de 2017.
30. O trabalhador D… entregou ao A., em 26/07/2016, a quantia de €2.234,60, proveniente da venda de bilhetes do dia 25/07/2016 – entrega essa documentada no “auto de entrega” n.º 3226, por ambos assinado.
31. O trabalhador E… entregou ao A., em 27/07/2016, a quantia de €1.039,15, proveniente da venda de bilhetes dos dias 25/07/2016 e 26/07/2016 – entrega essa documentada no “auto de entrega” n.º 3227, por ambos assinado.
32. O A. não entregou à R. as referidas quantias, que os trabalhadores D… e E… lhe confiaram.
33. O trabalhador D… vendeu, para além disso, bilhetes no montante de €1.802,60, tendo alegado que entregou essa quantia ao A., mas que perdeu o respectivo auto de entrega. Acabando por assumir perante a R. o pagamento da referida quantia.
II.2 Nulidade da sentença
O recorrente vem arguir a nulidade da sentença, alegando que o Tribunal a quo, não se pronunciou sobre o alegado pelo Recorrente nos artigos 36 a 39 da Contestação, no que se refere à desorganização no funcionamento da Recorrida, tratando-se de um facto essencial à boa decisão da causa, o que consubstancia nulidade prevista no artigo 615., n. 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
As causas de nulidade da sentença constam previstas no art.º 615.º n.º 1 do CPC, entre elas contando-se a a omissão de pronúncia, que se verifica quando “[O] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” [al. d)].
Resulta do nº 4 do mesmo art.º 615.º, que a arguição de nulidades (salvo a respeitante à falta de assinatura do juiz) deve ser feita perante o tribunal que proferiu a decisão, se esta não admitir recurso ordinário. No caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Este é o regime do Código de Processo Civil.
O processo laboral contém, porém, uma particularidade, decorrente do disposto no n.º1 do art.º 77.º do CPT. Em concreto, “a arguição de nulidade da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso”.
Esta redacção, pese embora as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 295/2009, de 13 de Outubro, corresponde à introduzida na versão inicial deste CPT, aprovado pelo Decreto-Lei nº 480/99, de 9 de Novembro.
De resto, já antes se estabelecia idêntica solução no anterior Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei n.º 272-A/81, de 30/9, em cujo art.º 72º, nº 1, constava o seguinte:
- "A arguição de nulidade da sentença é feita no requerimento de interposição do recurso".
Esta regra é ditada por razões de economia e celeridade processuais e prende-se com a faculdade que o juiz tem de poder sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso (n.º 3 do art.º 77º). Precisamente por isso, para que possa ser exercida, é necessário que a nulidade seja arguida no requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao juiz e não nas alegações do recurso que são dirigidas ao tribunal superior, o que implica, naturalmente, que a motivação da arguição também conste daquele requerimento.
É entendimento pacífico da jurisprudência, reafirmado sucessivamente na vigência dos diplomas acima referidos, que o tribunal superior não deve conhecer da nulidade ou nulidades da sentença que não tenham sido arguidas, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, mas somente nas respectivas alegações [cfr., a título de exemplo, os Acórdãos do STJ de 25/10/95, Col. Jur.- Ac. do STJ de 1995, III, 279;e de 23/4/98, BMJ, 476, 297; de 24-06-2003, proc.º 03S1388, Conselheiro Dinis Roldão; de 16-03-2017, proc.º 518/14.8TTBRG.G1.S1, Conselheiro Ferreira Pinto; de 22-02-2018, proc.º 8948/15.1T8CBR.C1.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso (estes últimos disponíveis em www.dgsi.pt/jstj)].
Nessa consideração, como se escreve no recente Acórdão do STJ de 03/06/2015, “Se, não obstante a inobservância por parte do recorrente daquele formalismo processual, o Tribunal da Relação conhece da nulidade em questão, ao fazê-lo, conhece de questão cujo conhecimento lhe estava vedado, incorrendo, nessa parte, em nulidade de acórdão por excesso de pronúncia” [Processo 297/12.3TTCTB.C1.S1, Conselheiro Melo Lima, disponível em www.dgsi.pt].
Sempre no mesmo sentido, no acórdão de 15-09-2016 [proc.º 4664/06.3TTLSB.1.L1.S1, conselheiro Pinto Hespanhol, disponível em www.dgsi.pt], afirma-se que “O procedimento processual atinente à arguição de nulidades da sentença em processo laboral está especificamente previsto no n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, o qual prevê que aquela arguição deve ser feita «expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso», de onde resulta que essa arguição, apenas no texto da alegação do recurso, é inatendível”. E, a propósito da constitucionalidade deste normativo, observa-se ainda o seguinte:
- «E não se diga que o referido entendimento normativo é inconstitucional «por manifesta ofensa do direito a um processo equitativo, tal como consagrado no art. 20.º da C.R.P., por se demonstrar arbitrária a razão em que se funda.
Na verdade, a exigência contemplada no n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho de que a arguição de nulidades da sentença seja feita “expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”, não se apresenta como arbitrária, face à preocupação de maior celeridade e economia processual que domina o processo laboral, exigindo-se do recorrente, quando estiver em causa a nulidade da sentença, um cuidado acrescido na delimitação dos fundamentos do recurso, de modo a possibilitar ao tribunal recorrido a sua fácil deteção e o seu eventual suprimento.
Tal como afirma o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 403/2000, de 27 de setembro de 2000), “[t]rata-se de formalidade que, sobretudo quando o requerimento de interposição do recurso e as alegações constam da mesma peça processual, pode parecer excessiva e inútil, mas que ainda se justifica por razões de celeridade e economia processual» e que «não implica a constituição, para o recorrente, de um pesado ónus que pudesse dificultar de modo especialmente oneroso o exercício do direito ao recurso», sendo que «não pode considerar-se incluído, dentro do direito ao acesso dos tribunais, o direito à obtenção de um despacho de aperfeiçoamento, quando se verifiquem obstáculos ao conhecimento do objeto do recurso”.
Não se configura, pois, a alegada ofensa do direito a um processo equitativo, tal como é consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
E não se verificando qualquer justo impedimento para a não arguição, na forma devida, das pretendidas nulidades da decisão recorrida, deve o recorrente sofrer as consequências do inadequado exercício do direito àquela arguição.
Isto é, por impossibilidade de suprimento do vício ocorrido na arguição das pretendidas nulidades, o Tribunal da Relação de (..) não podia delas conhecer».
Revertendo ao caso em apreço, verifica-se que o recorrente remeteu a arguição da nulidade para as alegações do recurso, isto é, não incluiu, como era devido nos termos do referido art.º 77º, nº 1, do C.P.T., no requerimento de interposição do recurso, a completa, decisiva e autónoma motivação da arguição, o que torna extemporânea a arguição das nulidades e obsta a que delas se conheça.
Com efeito, a mesma apenas surge nas alegações, sob o título “II - NULIDADE DA SENTENÇA – NOS TERMOS DO DISPOSTO NO ARTIGO 615.º, N.º1, ALÍNEA D).
Consequentemente, por incumprimento do disposto no n.º1, do art.º 77.º do CPT, decide-se não conhecer da arguida nulidade da sentença.
II.3 Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
O recorrente vem impugnar a decisão sobre a matéria de facto por considerar que “o Tribunal deveria ter dado como provados os factos supra identificados nas alíneas b), c), d) e e) dos Factos Não Provados, bem como a hipótese de a desorganização da Recorrida e desrespeito dos funcionários desta pelas normas de entrega e receção das quantias cobradas pelos marinheiros cobradores terem podido estar na origem da falta de registo das quantias em apreço; e como não provados os factos acima listados como Factos Provados na alínea ee)” [Conclusão 16].
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, isto é, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, [Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
Atentos estes princípios, como primeiro passo, impõe-se verificar se algo obsta à apreciação da impugnação.
Impõe-se uma primeira nota. A referência feita na conclusão 16 às “ alíneas b), c), d) e e) dos Factos Não Provados” e à “alínea ee)” dos factos provados, não se refere à ordenação conferida pelo Tribunal a quo na decisão sobre a matéria de facto proferida em conclusão do julgamento e transposta para a sentença, na parte respeitante aos factos provados, mas antes à enumeração feita pelo recorrente nas alegações, organizando-os por alíneas.
Não obstante esse procedimento, obrigando a que este Tribunal procedesse à verificação da correspondência entre uns e outros, considera-se que foi observado o que se entende como minimamente suficiente, dado que se logra perceber quais os factos que impugna e as respostas alternativas.
O mesmo é de dizer no que concerne ao aditamento que se pretende, mais precisamente, “a hipótese de a desorganização da Recorrida e desrespeito dos funcionários desta pelas normas de entrega e receção das quantias cobradas pelos marinheiros cobradores terem podido estar na origem da falta de registo das quantias em apreço”, dado retirar-se da conclusão I, embora dedicada à arguição da nulidade da sentença, que o recorrente está a reportar-se ao alegado nos artigos 36 a 39 da contestação ao articulado motivador do despedimento.
Quanto ao mais, nomeadamente, no que concerne aos meios de prova, o recorrente sustenta-se nas suas declarações de parte e nos testemunhos que indica, indicando logo nas conclusões, mas também com maior detalhe nas alegações, os tempos da gravação em que situam as partes que invoca, sendo que procede ainda à sua transcrição.
Conclui-se, pois, que o recorrente observou os ónus de impugnação impostos pelo art.º 640.º nºs 1, al. b), e 2, al. a), do CPC, nada obstando à sua apreciação.
II.3.1 Vejamos se assiste razão ao recorrente.
Começaremos pelo facto que se pretende aditado e pelos factos não provados que se pretendem provados, nomeadamente, os seguintes:
i) “a hipótese de a desorganização da Recorrida e desrespeito dos funcionários desta pelas normas de entrega e receção das quantias cobradas pelos marinheiros cobradores terem podido estar na origem da falta de registo das quantias em apreço”,
ii) b) Que o Autor, ora Recorrente, sempre se comportou perante os seus superiores hierárquicos, bem como perante os seus colegas, com retidão, profissionalismo, honradez e lealdade, sendo-lhe impossível atuar de forma contrária ao ordenado pela Ré, tendo exercido as suas funções sempre de forma exemplar.
c) Tal como sempre fez, desde a celebração do contrato de trabalho com a Ré, o Autor entregou à tesouraria a totalidade dos montantes recebidos dos marinheiros dos marinheiros- cobradores aqui em questão, bem como dos restantes dos quais era responsável, tendo emitido os respetivos autos de entrega, com identificação da totalidade dos valores efetivamente recebidos.
d) O Autor não procedeu à entrega de quaisquer montantes à Ré, aquando da entrega da documentação em Agosto de 2016, visto ter já procedido à entrega das quantias em questão no momento de entrega dos autos correspondentes, ainda no mês de Julho de 2016, não possuindo, por isso, mais valores e/ou documentação propriedade da Ré.
e) Que o Autor cumpriu sempre todas as ordens e instruções dadas pela Ré com zelo e diligência, inclusive, quanto ao recebimento e entrega das quantias cobradas pelos marinheiros, nomeadamente, tendo consciência da responsabilidade inerentes ao seu cargo, bem como as consequências legais associada à violação dos seus deveres.
Atentemos agora na contestação ao articulado motivador do despedimento apresentada pelo Autor, para localizarmos os artigos onde se encontram as alegações correspondentes à matéria posta em causa.
No que concerne ao aditamento pretendido, invoca o autor os artigos 36 a 39, neles se lendo o seguinte:
36.º Pelo que, não se poderá responsabilizar o mesmo por eventuais lapsos que se possam verificar antes da entrega ao mesmo da quantia do produto das vendas e respetivos mapas de venda.
37.º Tampouco se poderá responsabilizar o Autor de possíveis falhas na transcrição para a contabilidade dos valores apresentados na tesouraria, ou mesmo no arquivamento dos comprovativos de entrega, visto tratar-se do procedimento seguinte ao exercício das suas funções.
38.º Aliás, tanto assim é que, após a entrega dos montantes e respetivos autos, o Autor não fica na posse de quaisquer comprovativos de entrega, antes ficando estes no arquivo da Ré.
39.º Portanto, apenas a Ré poderia provar documentalmente que a entrega dos autos e montantes ocorreu regularmente, nada podendo garantir que não se possa ter verificado alguma falha nesta fase referente ao arquivo em apreço.
Quanto aos factos não provados que se pretendem provados, resultam das alegações seguintes:
44.º O Autor sempre se comportou perante os seus superiores hierárquicos, bem como perante os seus colegas, com retidão, profissionalismo, honradez e lealdade, sendo-lhe impossível atuar de forma contrária ao ordenado pela Ré, tendo exercido sempre as suas funções de forma exemplar.
46.º Assim, pelos motivos supra descritos, tal como o fez desde celebração do contrato de trabalho com a Ré, o Autor entregou à tesouraria a totalidade dos montantes recebidos dos marinheiros cobradores aqui em questão, bem como dos restantes dos quais era responsável, tendo emitido os respetivos autos de entrega, com identificação da totalidade dos valores efetivamente recebidos.
53.º Aquando da entrega dessa documentação, nem posteriormente à mesma, embora instigado para tal, o Autor não procedeu à entrega de quaisquer montantes à Ré, visto ter já procedido à entrega das quantias no momento de entrega dos autos correspondentes, ainda no mês de Julho de 2016, não possuindo mais valores e/ou documentação propriedade da Ré.
71.º Mais concretamente, cumpre referir que o Autor cumpriu sempre todas as ordens e instruções dadas pela Ré com zelo e diligência, inclusive, quanto ao recebimento e entrega das quantias cobradas pelos marinheiros, nomeadamente, tendo consciência da responsabilidade inerentes ao seu cargo, bem como as consequências legais associadas à violação dos seus deveres.
Na decisão sobre a matéria de facto o Tribunal a quo pronunciou-se quanto a parte daqueles factos do articulado do autor, nos termos seguintes:
Art. 38º: Não provado.
Art. 44º: Não provado.
Art. 46º: Não provado.
Art. 53º (na parte em que se alega que o A. entregou à R. as quantias a que se reportam os autos de entrega n.ºs 3226 e 3227 e que não possuía mais valores e/ou documentação propriedade da R.): Não provado.
Art. 71º: Não provado.
Quanto àqueles que não há menção expressa, consta ainda da fundamentação o seguinte:
- «Não se responde ao mais que é alegado no AMD, contestação e resposta, por se tratar de matéria expressamente aceite, não impugnada, conclusiva, mera repetição de outra já alegada ou conter apenas considerações jurídicas ou factos desnecessários à boa decisão da causa, tendo em conta as regras de distribuição do ónus da prova.
No que aqui interessa, esta consideração terá aplicação ao alegado nos artigos 36, 37 e39.
Feito este enquadramento, começaremos por dizer que à excepção do alegado no artigo 38 e 53, este na parte a que o Tribunal faz referência - dizendo (na parte em que se alega que o A. entregou à R. as quantias a que se reportam os autos de entrega n.ºs 3226 e 3227 e que não possuía mais valores e/ou documentação propriedade da R.) – todos os demais artigos da contestação consistem em alegações conclusivas.
Ora, conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc .º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Segundo elucida Anselmo de Castro “são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos”, depois acrescentando que “só, (…), acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objecto da especificação e questionário (isto é, matéria de facto assente e factos controvertidos), o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstractos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste” [Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, vol. III, 1982, p. 268/269].
No mesmo sentido, o Senhor Desembargador Henrique Araújo [no estudo “A MATÉRIA DE FACTO NO PROCESSO CIVIL”, publicado no sítio desta Relação do Porto, acessível em www.trp.pt] observa que “(..) questão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”.
Entendimento igualmente afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirmando-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este tenha emitido pronúncia sobre afirmações conclusivas, deve a mesma ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que deve ser desconsiderado um facto controvertido cuja enunciação se revele conclusiva, desde que o mesmo se reconduza ao thema decidendum”, não podendo esquecer-se que o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes e que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (..)” [art.º 5.º 1 do CPC].
Pois bem, no caso vertente o thema decidendum ou, por outras palavras, a questão essencial em discussão, é a de saber se o autor cometeu os ilícitos disciplinares que lhe são imputados como fundamento da decisão de despedimento com justa causa.
Aquelas alegações são, pois, não só manifestamente conclusivas, vistos integrarem juízos valorativos de conduta e juízos com natureza jurídica, como para além disso reconduzem-se à questão fulcral em discussão.
Por conseguinte, o tribunal a quo nunca poderia dar como provadas aquelas alegações e, pela mesma ordem de razões, está igualmente impedido este Tribunal ad quem de o fazer.
Mais, com o devido respeito, pelas razões enunciadas o Tribunal a quo não deveria sequer ter-se pronunciado quanto ao alegado nos artigos 44.º, 46.º e 71.º, antes devendo ter considerado que sobre estes não devia ter emitido pronúncia, conforme expressou na fundamentação, referindo-se a outras alegações.
Assim, quanto a estes improcede a impugnação.
O mesmo é e dizer quanto ao aditamento pretendido, que nem sequer consta alegado naqueles termos, antes sendo uma conclusão que o recorrente quer ver retirada de um conjunto de alegações, nomeadamente, as constantes dos artigos 36 a 39. Sobre este ponto, refira-se que o artigo 38, embora contendo uma alegação de facto e tenha siso considerado não provado, não é impugnado, nem tão pouco tem sequer a ver com a conclusão que o recorrente queria ver aditada. Com efeito, na parte em que contém matéria de facto consta que “após a entrega dos montantes e respetivos autos, o Autor não fica na posse de quaisquer comprovativos de entrega, antes ficando estes no arquivo da Ré”, enquanto pretende ver aditado que “a hipótese de a desorganização da Recorrida e desrespeito dos funcionários desta pelas normas de entrega e receção das quantias cobradas pelos marinheiros cobradores terem podido estar na origem da falta de registo das quantias em apreço”.
Resta, pois, o alegado no art.º 53.º, como refere o tribunal a quo na parte em que se alega que o A. entregou à R. as quantias a que se reportam os autos de entrega n.ºs 3226 e 3227 e que não possuía mais valores e/ou documentação propriedade da R.”, que foi considerado não provado.
Essa matéria é o reverso do facto provado também impugnado, na sentença sob o n.º32, onde se lê:
- « [32] O A. não entregou à R. as referidas quantias, que os trabalhadores D… e E… lhe confiaram.
Por conseguinte, procederemos à apreciação conjunta.
Para enquadrar o facto, importa começar por relembrar que precedendo-o, está provado também, sem que tal tenha sido impugnado, o que se segue:
[30] O trabalhador D… entregou ao A., em 26/07/2016, a quantia de €2.234,60, proveniente da venda de bilhetes do dia 25/07/2016 – entrega essa documentada no “auto de entrega” n.º 3226, por ambos assinado.
[31] O trabalhador E… entregou ao A., em 27/07/2016, a quantia de €1.039,15, proveniente da venda de bilhetes dos dias 25/07/2016 e 26/07/2016 – entrega essa documentada no “auto de entrega” n.º 3227, por ambos assinado.
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a propósito da matéria impugnada o Tribunal a quo fez constar o seguinte:
« (..)
De resto, o A. admitiu, no depoimento de parte que prestou, que todos os autos de entrega assinados por si, correspondem a quantias que efectivamente recebeu. Pelo que não há dúvidas que recebeu efectivamente dos funcionários das R. D… e E…, os montantes referenciados nos autos de entrega n.ºs 3226 e 3227.
Por outro lado, a generalidade das testemunhas ouvidas em julgamento, que exercem funções na tesouraria da R. e recebiam o dinheiro proveniente da venda dos bilhetes, ou que têm responsabilidades nessa área – nomeadamente K…, I…, J…, G… (que trabalha na R. desde 2005, sendo responsável pela contabilidade) e H… (que trabalha na R. desde 2005, sendo técnica superiora de contabilidade) – afirmaram, de forma peremptória, que não era possível o dinheiro em causa ter sido entregue na R., sem lá ficar registado, tanto mais que aquando das entregas de dinheiro na tesouraria, é emitido um recibo para a documentar, recibo esse que é assinado tanto pelo funcionário que recebe o dinheiro, como por aquele que o entrega, ficando este com cópia do recibo. Pelo que se o A. tivesse efectivamente entregue o dinheiro na tesouraria, certamente que exibiria o respectivo recibo – o que não fez, nem a ele tão pouco se referiu.
Além disso, o dinheiro é entregue na tesouraria da R. acompanhado do original do auto de entrega do marinheiro - cobrador a quem faz a recolha; e na tesouraria da R., também não deram entrada os autos de entrega n.ºs 3226 e 3227.
Razões que levam o tribunal a concluir que o A. não entregou à R. as quantias a que se referem os aludidos autos».
Para por em causa o facto provado e, em contraponto, ver provado o que pretende, vem o recorrente invocar os testemunhos de G…, H…, J…, D… e I…; as suas próprias declarações de parte; e, a prova documental junta aos autos em sede de audiência de julgamento, correspondente aos autos de entrega das quantias ora em apreço e assinados pelo Recorrente.
Comecemos pela prova documental, para além do mais para repor o rigor das coisas, pois a alegação do recorrente parece sugerir estar-se perante um documento que prova que fez entrega das quantias em causa nos serviços de tesouraria da ré.
Ora, não é isso que acontece.
Em primeiro lugar cabe começar por assinalar que não foram juntos “autos”, na audiência de julgamento, antes tendo a testemunha D… exibido em juízo um auto, com o n.º3226, cuja junção aos autos foi determinada pelas razões que constam do despacho em acta com o teor seguinte:
- “Por revelar interesse para a boa decisão da causa e não constar ainda do processo, em versão legível, determina-se seja extraída cópia do auto de entrega com o nº 3226, que foi exibido pela testemunha D…, para que passe a figurar no processo”.
Em segundo lugar, este auto reporta-se ao que se encontra provado no facto 30, acima transcrito,mas que aqui se repete (a parte a negrito é introduzida por nós):
[30] O trabalhador D… entregou ao A., em 26/07/2016, a quantia de €2.234,60, proveniente da venda de bilhetes do dia 25/07/2016 – entrega essa documentada no “auto de entrega” n.º 3226, por ambos assinado.
Portanto, como bem se vê, o auto apenas prova que aquela quantia foi entregue pela testemunha D… – que o exibiu em juízo – ao autor. Esse elemento de prova já constava dos autos, mas não em “versão legível”, sendo por essa razão que foi determinada a junção.
Não se vê, pois, qual o raciocínio do autor para pretender que esse documento tem alguma relevância para a prova da matéria que impugna, ou seja, a de saber se entregou aquela quantia, bem como a que recebeu de E…, em 27/07/2016, no montante de €1.039,15, proveniente da venda de bilhetes dos dias 25/07/2016 e 26/07/2016 – entrega documentada no “auto de entrega” n.º 3227, por ambos assinado (facto 31).
No que concerne ao depoimento de parte do autor, este assumiu ter recebido o dinheiro conforme provado nos factos 30 e 31, o que, convenhamos, era praticamente inevitável, vistos estarem ambas as entregas documentadas pelos autos nº 3226 e 3227, assinados por quem lhe fez a entrega e pelo autor, deste modo confirmando este formalmente que lhe foram entregues os valores em causa.
Mas perguntado sobre se os entregou, veio afirmar que entregou “Absolutamente, todas” as quantias; e, questionado pelo Senhor Juiz sobre o documento comprovativo, declarou “Sim, entreguei tudo. Está tudo, ficou tudo na C…, uma vez que, eu, em N…, no antigo escritório, não tinha arquivo de nada, de modos, que todo o arquivo estava na C…”.
Em seguida, sempre em resposta a inquirição pelo tribunal a quo, confrontado com o facto de não existir na Ré cópia de documento de entrega, nem registo dessa entrega de dinheiro, para que desse uma explicação, declarou: “Só eles poderão dar. Eu não sei. Uma vez que eu não tenho forma de, como não tenho em meu poder qualquer documento, não tenho forma de provar”.
E, perguntado sobre se ficou com as quantias que lhe foram entregues, afirmou: “Rigorosamente nenhuma, Sr. Dr. Juiz”.
Declarou, ainda, que entregou todos os autos de entrega à C….
O depoimento de parte visa obter a prova através de confissão judicial, o que se traduz no reconhecimento em juízo, pela parte, da veracidade de um facto que lhe é desfavorável e favorável à parte contrária (art.ºs 352.º e 335.º 2, do CC).
Por conseguinte, não sendo esse o caso, antes negando o autor os factos que lhe são imputados, não pode o autor pretender que o seu depoimento releve como contraprova do alegado pela Ré e para prova do que por si alegou.
É certo que o recorrente não faz a afirmação expressa dessa pretensão, mas por via sinuosa é esse o seu propósito, vindo dizer: por um lado, que “prontamente assumiu como sendo suas as rubricas constantes nos autos apresentados (..) se fosse intenção do Recorrente exonerar-se de qualquer responsabilidade, adiar a sua sentença ou tentar dalguma forma esconder algum comportamento ilícito esta seria a sua oportunidade de ouro, mas, por não ter nada a esconder, o Recorrente assumiu desde logo e sem qualquer expressão ou atitude de nervosismo, o recebimento de tais quantias”; e, por outro, mais adiante, que “ficou provado que o Recorrente ficou sem quaisquer documentos pertencentes à Recorrida, tendo entregado um saco de plástico com todos os autos de entrega que detinha. Por consequência, não ficou provada a inexistência da terceira via referente aos autos de entrega apresentados pelos marinheiros cobradores em causa”.
É verdade que ficou provado que [15]” Em Agosto de 2016, num domingo, o A. entregou nas instalações da R., ao funcionário Q…, um saco de plástico, com blocos contendo triplicados de “autos de entrega”, pedindo que fosse entregue ao tesoureiro da R., J…”, bem assim que [16] “Na segunda-feira seguinte, o tesoureiro da R., J…, recebeu de um funcionário da R., de nome S…, o referido saco de plástico”.
Contudo, com o devido respeito, pretender-se que a partir dai se conclua que “ não ficou provada a inexistência da terceira via referente aos autos de entrega apresentados pelos marinheiros cobradores em causa”, para depois se querer extrair a conclusão de que ficou provado que “entregou à R. as quantias a que se reportam os autos de entrega n.ºs 3226 e 3227 e que não possuía mais valores e/ou documentação propriedade da R” e, em contraponto, não provado o facto 32, vai para além do razoável em termos lógicos. Permita-se-nos a expressão, é um enorme salto sem apoio em factos.
Portanto, como já se disse, vir aqui trazer o seu próprio depoimento de parte, para depois proceder a esta construção, não só contraria a lógica mais elementar, como é de todo despropositado.
Restam os testemunhos, dizendo o autor que “limitaram-se a explicar o procedimento que habitualmente se verificava em caso de entrega de quantias cobradas pelos marinheiros-cobradores junto da Tesouraria”.
Com efeito, das transcrições efectuadas resulta isso mesmo. Mas parece o autor esquecer que o Tribunal a quo refere essa mesma explicação, dada não só pelas testemunhas invocadas pelo autor, mas também pelas que demais constam identificadas, deixando bem claro o seguinte:
-“ (..) afirmaram, de forma peremptória, que não era possível o dinheiro em causa ter sido entregue na R., sem lá ficar registado, tanto mais que aquando das entregas de dinheiro na tesouraria, é emitido um recibo para a documentar, recibo esse que é assinado tanto pelo funcionário que recebe o dinheiro, como por aquele que o entrega, ficando este com cópia do recibo. Pelo que se o A. tivesse efectivamente entregue o dinheiro na tesouraria, certamente que exibiria o respectivo recibo – o que não fez, nem a ele tão pouco se referiu.
Além disso, o dinheiro é entregue na tesouraria da R. acompanhado do original do auto de entrega do marinheiro-cobrador a quem faz a recolha; e na tesouraria da R., também não deram entrada os autos de entrega n.ºs 3226 e 3227.
Para imediatamente a seguir concluir: “Razões que levam o tribunal a concluir que o A. não entregou à R. as quantias a que se referem os aludidos auto”.
Em suma, de acordo com os procedimentos usuais na Ré, para além de não se verificar a falta do dinheiro em causa, que é uma quantia substancial, existiriam, os seguintes elementos: os autos de entrega n.ºs 3226 e 3227 – que o autor deveria ter entregue com as quantias a que se reportavam; o registo de entrada das quantias em causa; o recibo entregue ao autor e a cópia do mesmo que fica na tesouraria.
Vale isto por dizer, que mesmo que a cópia do recibo da alegada entrega do dinheiro na tesouraria estivesse no saco de plástico com documentos que entregou, sempre restaria o seguinte: i) [desde logo] não deveria faltar a quantia em causa; ii) haveria o registo dessa entrega; e, haveria o duplicado do recibo entregue ao autor, o qual fica na posse do tesoureiro.
Para que fique esclarecido o conteúdo do saco entregue pelo autor a Q… para este. Por sua vez, o entregar ao tesoureiro J…, deixa-se aqui nota do testemunho deste último, na parte invocada pelo recorrente:
- J… (..) Eu estava de férias, ele chegou a entregar esse saco num domingo, ou num sábado, ao Sr. Q…, que, por sua vez, esse funcionário, quando me chegou o saco, quando me chegou às mãos, na segunda feira, já me foi entregue por um outro funcionário, chamado S… que mo entregou.
Dr. U…: Esse saco continha o quê?
J…: Esse saco, esse saco era um saco pequeno, presumo que preto, ou escuro, e o saco continha vários volumes, livros de entrega em triplicado, em triplicado, neste caso, só com o triplicado e com umas faltas de alguns desses triplicados e um ou outro papelito sem grande interesse, mas essencialmente o saco tinha esse, que eram uns livros que nós utilizávamos, aliás, que o Sr. B… utilizava para entrega dos dinheiros em três vias, livro esse que tinha só os triplicados, que deviam ficar na posse deles, e alguns, alguns triplicados em falta.
(..)
Dr. U…: Sabe-me dizer se, por acaso, nos livros que foram entregues existiam os triplicados dos documentos que o sr. D… e que o sr. E… exibiram na empresa para justificarem que fizeram a entrega do, das quantias ao Sr. B…?
J…: Havia alguns triplicados em falta que, depois, conseguiu-se verificar que, mesmo estando em falta, aqueles valores tinham sido entregues. Os dois duplicados, neste caso, que o Sr. D… e o Sr. E… tinham em falta, penso que até eram três, mas o sr. D… só conseguiu encontrar um, esses também presumo que estavam em falta nos tais triplicados juntos.”
Retira-se daqui que nem tão pouco os autos 3226 e 3227 se encontravam no saco. Eles surgiram em razão dos Senhores D… e E… terem sua posse a cópia. No caso do primeiro, conforme consta também provado [33] “(..) vendeu, para além disso, bilhetes no montante de €1.802,60, tendo alegado que entregou essa quantia ao A., mas que perdeu o respectivo auto de entrega. Acabando por assumir perante a R. o pagamento da referida quantia”.
Argumenta o recorrente que “Nunca foram apresentados documentos que provassem a não entrega das quantias por parte do Recorrente, por exemplo, os talões entregues pelo Recorrente - comprovando-se a inexistência da entrega na tesouraria, ou outro tipo de prova que permitisse concluir, sem qualquer dúvida que a inexistência do registo da entrada das quantias devia-se a culpa do Recorrente e não a erro da própria Tesouraria da Recorrida”.
Sempre com o devido respeito, esta construção também não colhe, desde logo por não se perceber como seria viável existirem “documentos que provassem a não entrega das quantias por parte do Recorrente”. Não havendo entrega do dinheiro, de acordo com os procedimentos instituídos pela Ré, não havia obviamente registo nem a emissão de recibo do facto negativo, para documentar a “não entrega das quantias”. Acresce que o exemplo que dá - os talões entregues pelo Recorrente - pressuporia ter-se demonstrado que os entregou, ou seja, que entregou os autos 3226 e 3227 na tesouraria, o que não acontece. De resto, de acordo com as explicações das testemunhas, se o autor tivesse apresentado aqueles autos, então tal significava que teria também entregue o dinheiro e, logo, havido o registo correspondente e a emissão do recibo para sua segurança. Daí que, também aqui, o argumento seja ilógico.
Concluindo, os elementos de prova que o recorrente invoca não trazem nada de novo, antes vindo confirmar que o Tribunal a quo fez a correcta apreciação do que deles resultou, extraindo a conclusão acertada.
Por conseguinte, improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II.4 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
Independentemente da sorte da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o recorrente põe em causa a sentença quanto ao decidido a propósito da caducidade do procedimento disciplinar e por ter entendido não se verificar-se a impossibilidade imediata de manutenção da relação laboral, pese embora a R. não tenha procedido à suspensão preventiva do autor.
II.4.1 Defende o autor que existe caducidade do procedimento disciplinar, “pois o conhecimento dos factos ocorreu efetivamente em 16.08.2017 com o recebimento pelo Dr. K… (superior hierárquico com poderes disciplinares) do email remetido pela Dra. L…”.
Sustenta, ainda, que “o procedimento prévio de inquérito instaurado não era efetivamente necessário para fundamentar a nota de culpa, sendo este intempestivo, aquando da deliberação do Conselho Liquidatário para abertura do mesmo, não cumprindo com os requisitos previstos no artigo 354.º2, visto que o Superior Hierárquico com poderes disciplinares, teve conhecimento dos factos pelo menos em 16.08.2016, a conferição dos bilhetes e valores em questão foi feita em 20.07.2016, e era conhecida a suposta autoria da infração”.
Defende, ainda, que “mesmo assumindo como data de início do termo do prazo de caducidade, a indicada pela Recorrida e pelo Tribunal a quo, i.e., o dia 27.10.2016, e mesmo considerando a regularidade do procedimento prévio de inquérito, houve caducidade do processo disciplinar, por se ter ultrapassado o prazo de caducidade de 60 (sessenta) dias previsto no artigo 329., n..º 2, do Código do Trabalho, visto que, pelo menos até ao dia 30 de Dezembro de 2016, o Recorrente não tinha sido regularmente notificado”.
Defende, também, que o procedimento disciplinar terá de ser declarado nulo, por se encontrar caducado, já que mesmo que se considere o procedimento prévio de inquérito como regular, nos termos do disposto na parte final do artigo 354..º, o procedimento interromperá o prazo de caducidade, desde que a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo, sendo que o procedimento prévio de inquérito terminou em 25 de Novembro de 2016, e que, pelo menos, até ao dia 30 de Dezembro de 2016, o Recorrente não tinha sido efetivamente notificado”.
Importa começar por assinalar que o Autor vem aqui colocar questões que não suscitou na contestação e, logo, sobre as quais não se debruçou e pronunciou, em concreto, o Tribunal a quo.
Melhor explicando, na contestação o Autor apenas veio sustentar que em “15 de Dezembro de 2016 e 07 de Abril de 2017, respetivamente -, o procedimento disciplinar já se encontrava, há muito, prescrito” (art.º 15.º).
Sendo de referir que até assumiu que foi respeitado o prazo de 30 dias relativo à notificação da nota de culpa, que agora vem por em causa. Para que não haja dúvidas, veja-se:
[14.º] “Mais se deverá observar que, se por um lado é verdade que foram realizadas todas as fases do procedimento disciplinar, por outro, não se poderá ignorar que apenas foi respeitado o prazo de 30 dias relativo à entrega da Nota de Culpa após conclusão do inquérito prévio, bem o prazo de 30 dias da decisão final após o encerramento das diligências da instrução por parte do Instrutor”.
E, no que concerne à necessidade de realização de inquérito prévio, limitou-se a dizer que [25.º] “no caso em concreto a necessidade do inquérito prévio causa sérias dúvidas no espírito do Autor, sobretudo considerando a facilidade de obtenção de prova suficiente para fundamentar a Nota de Culpa, caso os factos fossem verdadeiros”, o que é coisa diferente de agora vir dizer que “ não era efetivamente necessário para fundamentar a nota de culpa”.
Assim sendo, estamos perante questões novas, por essa razão não podendo este tribunal de recurso delas conhecer, como tem sido entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência. Apenas nos casos expressamente previstos (cfr. artigo 665º nº 2, 608º, nº 2, in fine, CPC), pode o tribunal superior substituir-se ao tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Com efeito, a jurisprudência tem reiteradamente entendido que os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu” [Cfr. Acórdãos do STJ (disponíveis em www.dgsi.pt): de 22-02-2017, proc.º 519/15.4T8LSB.L1.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; de 14-05-2015, proc.º 2428/09.1TTLSB.L1.S1, Conselheiro Melo Lima; de 12-09-2013, proc.º 381/12.3TTLSB.L1.S1 e de 11-05-2011, proc.º786/08.4TTVNG.P1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol].
Assim sendo, apenas cabe apreciar a primeira questão, ou seja, a respeitante à verificação da caducidade do procedimento disciplinar, sustentando o autor que o conhecimento dos factos ocorreu em 16-08-2017, com o recebimento pelo Dr. K… da mensagem electrónica remetida pela Dr.ª L… (facto provado 13). Reitera, pois, a posição que defendeu na contestação, ai defendendo que a R. teve “conhecimento dos factos imputados ao Autor, pelo menos desde 04 de Agosto de 2016, conforme se retira do email enviado pela colaboradora L… ao Diretor Executivo, K…” (art.º 11.º).
A este propósito pronunciou-se o Tribunal a quo nos termos seguintes:
- « I. Excepciona o A. a prescrição do procedimento disciplinar, por ter tido início 101 dias depois do conhecimento dos factos pela R. e o prazo de prescrição não ter sido interrompido pelo inquérito prévio efectuado.
De acordo com o art.º 329.º n.º 1 do actual Cód. do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/013, “O direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano apos a prática da infracção, ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime”.
No caso, os factos integrantes das infracções imputadas ao A. ocorreram em Julho de 2016 e a R. deliberou instaurar-lhe procedimento disciplinar em 25 de Novembro de 2016, tendo o A. sido notificado da nota de culpa em 15 de Dezembro de 2016 – muito antes, portanto, de decorrido um ano sobre a data da prática dos factos.
Pelo que é manifesto que não ocorre a prescrição do procedimento disciplinar.
Por outro lado, nos termos do n.º 2 do mesmo art.º 329º, “O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção”.
Trata-se de um prazo de caducidade (cfr. art. 298º n.º 2 do Cód. Civil) – e não de prescrição –, cabendo ao A. o ónus de alegar e provar, para esse efeito, a data em que ocorreu o conhecimento efectivo da infracção por parte da empregadora, em conformidade com o art. 342.º, n.º 1 do Código Civil, uma vez que, no contexto da acção de impugnação de despedimento, a caducidade do procedimento disciplinar é um facto constitutivo da ilicitude do despedimento invocada pelo autor e, consequentemente, dos direitos por ele peticionados com base nessa ilicitude4.
Prazo esse que se interrompe com o início do procedimento prévio de inquérito (se a ele houver lugar), desde que tal procedimento ocorra nos 30 dias seguintes a suspeita de comportamentos irregulares; seja efectivamente necessário para fundamentar a nota de culpa; seja conduzido de forma diligente; e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo – cfr. art. 352º.
Implicando tal interrupção a inutilização de todo o tempo decorrido anteriormente e o início da contagem de novo prazo prescricional, nos termos previstos no art. 326º n.º 1 do Cód. Civil.
Sendo que, como resulta das regras gerais de distribuição do ónus da prova, consagradas no art. 342º do Cód. Civil, cabe nesta sede à entidade empregadora provar que deu início à instauração de um procedimento prévio de inquérito; e efectuada tal prova, impenderá sobre o trabalhador, em ordem a ver reconhecida a inoperância da interrupção, o ónus de demonstrar que os pressupostos enunciados no art. 352º não se verificam em concreto5.
No procedimento disciplinar, o A. é acusado de se ter apropriado ilegitimamente do montante global de €5.076,35, proveniente do produto da venda de bilhetes pelos marinheiros-cobradores D… e E…, quantia que estes lhe confiaram, para o A. entregar na tesouraria da R. – como lhe competia fazer, no exercício das suas funções.
O que resulta dos factos provados é que a R. só em 27 de Outubro de 2016 ficou a saber que o A. não iria proceder à entrega da quantia em causa, visto que este, a tanto instado, respondeu através de e-mail datado de 27 de Outubro de 2016 “não ter na sua posse qualquer valor ou documento pertencente à C…”.
Até essa tomada de posição por parte do A., apenas se extrai da factualidade apurada que a R., por via das dúvidas suscitadas pela solicitação por parte do A., em 20 de Julho de 2016, de bilhetes destinados ao marinheiro-cobrador D… (uma vez que este ainda deveria ter em seu poder, em princípio, bastantes bilhetes para venda), diligenciou por esclarecer a situação, nomeadamente junto do referido D… e também de um outro marinheiro-cobrador, E…. Acabando por efectuar uma conferência geral dos bilhetes na posse dos dois referidos trabalhadores e das quantias entregues, provenientes da respectiva venda. Vindo a concluir que deveriam ter em seu poder o equivalente a €4.037,20 e €1.039,15, respectivamente. Mas afirmando ambos já terem entregado ao A. tais quantias.
Nada nos factos provados sustenta a afirmação de que até à resposta dada pelo A. em 27 de Outubro de 2016, a R. sabia ou tinha razões sérias para suspeitar que a situação não se iria esclarecer e resolver, nomeadamente que o A. não procederia à entrega, na sua totalidade, das quantias respeitantes à venda de bilhetes, que lhe tinham sido confiadas.
Tanto mais que as entregas de dinheiro ao A. se reportam a finais de Julho de 2016 e, como se provou, o A. esteve de férias e/ou de baixa médica, pelo menos a partir de Agosto de 2016 (inclusive). Sendo que, como o próprio A. alega no art. 61º da contestação, pelo menos até à apresentação do referido articulado em juízo (18/07/2017), ainda permanecia em situação de baixa médica.
Donde se infere que o conhecimento das infracções, que marca o termo inicial da contagem do prazo de caducidade previsto no n.º 2 do art. 329º, apenas se iniciou em 27 de Outubro de 2016.
Não tendo desde então decorrido 60 dias, até à notificação da nota de culpa ao A., em 15 de Dezembro de 2016.
O que dita, só por si, a improcedência da excepção, sem necessidade de convocar o efeito interruptivo que a instauração de inquérito prévio de inquérito é passível de provocar. Salientando-se nessa sede, em todo o caso, que não ressalta dos autos que o procedimento prévio de inquérito instaurado não era efectivamente necessário para fundamentar a nota de culpa; que não foi conduzido de forma diligente; ou que o A. não foi notificado da nota de culpa até 30 dias após a conclusão do mesmo».
Recorrendo às alegações, contrapõe o recorrente, no essencial, o seguinte:
- « (..) o Tribunal a quo parece confundir o conhecimento dos factos originários da infração disciplinar, com o que foi, quanto muito, uma espécie de confissão por parte do Recorrente.
Em 27.10.2017, apenas houve por parte do Recorrente, resposta por escrito à comunicação remetida pelo Dr. K… (superior hierárquico com poderes disciplinares, conforme concluem, e bem, o Tribunal e a Recorrida) afirmando que não tinha na sua posse quaisquer valores pertencentes à Recorrida, não podendo, por isso devolvê-los, sendo que nesta data mais do que suspeitas já recaiam sobre o Recorrente.
Email este, veja-se, em que o Recorrente não refere de forma alguma que tinha consigo as quantias em apreço e que não as iria devolver, mas antes, que não tinha na sua posse qualquer valor ou documento pertencente à C…, isto porque (embora não se encontre no email em apreço, como provado em sede de audiência de julgamento, e acima melhor explanado), o mesmo tinha procedido já à entrega das quantias em finais de Julho de 2016 quando apresentou as suas contas e dos documentos em meados de Agosto de 2016.
O conhecimento dos factos ocorreu efetivamente, e sem sombra para dúvidas, aquando do recebimento pelo Dr. K… do email remetido pela Dra. L…, nos termos referidos supra, no ponto m) dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo».
Prossegue, dizendo que “quanto ao momento efetivo de conhecimento dos factos com relevância disciplinar, temos que, para além da prova documental apresentada com o email de 04.08.2016 dirigida pela Dra. L… ao Dr. K…, foi produzida prova testemunhal em sede de audiência de julgamento de 15.12.2017”, referindo testemunhas e fazendo transcrições de extractos dos seus testemunhos.
Vejamos então.
Começaremos por dizer que não tem qualquer utilidade nem faz sentido o autor vir invocar testemunhos em sede de impugnação da sentença por alegado erro de julgamento na aplicação do direito aos factos. A indicação de testemunhos só tem razão de ser para efeitos de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nada mais.
Ora, o certo é que o autor impugnou a decisão sobre a matéria de facto e nessa sede não veio pôr em causa o decidido relativamente a qualquer facto, designadamente por não ter sido dado como provado, com relevância para este ponto. Mas percebe-se a razão, é que na verdade não se encontram nos artigos da contestação factos alegados a este propósito, para além da invocação da mensagem electrónica dirigida pela Dra. L… ao Dr. K….
Em segundo lugar, os argumentos do autor não merecem acolhimento, não impressionado vir fazer uma interpretação enviesada da fundamentação do tribunal a quo para sugerir que este considerou a resposta do autor, em 27.10.2017, como “uma espécie de confissão por parte do Recorrente”.
A fundamentação é clara e formula um juízo crítico que merece o nosso acolhimento, ao ter entendido que “a R. só em 27 de Outubro de 2016 ficou a saber que o A. não iria proceder à entrega da quantia em causa, visto que este, a tanto instado, respondeu através de e-mail datado de 27 de Outubro de 2016 “não ter na sua posse qualquer valor ou documento pertencente à C…”.
Acompanha-se o entendimento do Tribunal a quo, o correcto pelas razões enunciadas para o justificar, salientando-se a parte que segue:
- « Nada nos factos provados sustenta a afirmação de que até à resposta dada pelo A. em 27 de Outubro de 2016, a R. sabia ou tinha razões sérias para suspeitar que a situação não se iria esclarecer e resolver, nomeadamente que o A. não procederia à entrega, na sua totalidade, das quantias respeitantes à venda de bilhetes, que lhe tinham sido confiadas.
Tanto mais que as entregas de dinheiro ao A. se reportam a finais de Julho de 2016 e, como se provou, o A. esteve de férias e/ou de baixa médica, pelo menos a partir de Agosto de 2016 (inclusive). Sendo que, como o próprio A. alega no art. 61º da contestação, pelo menos até à apresentação do referido articulado em juízo (18/07/2017), ainda permanecia em situação de baixa médica».
Em suma, no circunstancialismo referido, relevando o facto estar ausente do trabalho por se encontrar em situação de baixa, não podia a Ré assumir de imediato ou, pelo menos, não devia excluir a hipótese de que aquele não viesse a fazer a entrega do dinheiro ou que trouxesse uma outra explicação, por exemplo, não ser verdade que lhe tivessem sido entregues as quantias ou haver qualquer confusão.
Por último, embora o acima dito seja quanto baste para a improcedência desta questão, adiantaremos algo mais. Refere-se o recorrente autor ao Dr. K…, como “superior hierárquico com poderes disciplinares” logo acrescentando “conforme concluem, e bem, o Tribunal e a Recorrida”.
Essa afirmação relativamente ao que foi concluído pelo Tribunal e pela recorrida não é rigorosa. A recorrida não centrou a sua defesa nesse ponto, antes tendo argumentado no sentido de demonstrar que o conhecimento apenas ocorreu com a resposta do autor à questão que lhe colocou. Consequentemente a apreciação do Tribunal focou-se nessa argumentação e, se bem atentarmos na fundamentação, em parte alguma entra na discussão sobre a questão de saber se o Dr. K… tinha atribuída competência para exercer o poder disciplinar.
Ora, conforme decorre do n.º2, do art.º 329.º do CT, o inicio do prazo de caducidade de 60 dias para exercício do poder disciplinar ocorre com o conhecimento da infracção pelo empregador “ou superior hierárquico com competência disciplinar”. Não basta, pois, o conhecimento por qualquer superior hierárquico, ainda que esteja no topo do hierarquia, como será aqui o caso por se tratar de um director executivo, sendo absolutamente necessário que esse superior hierárquico tenha “competência disciplinar”, atribuída. Acresce que não deve confundir-se a competência de quem pode comunicar o facto para efeitos disciplinares, na consideração do mesmo constituir ilícito disciplinar, com o poder/competência para efectivamente o exercer.
Por tudo isso, não é despiciendo relembrar, conforme está provado, que foi a Comissão Liquidatária da R. que deliberou a abertura de um procedimento de inquérito, designou o instrutor, determinou a instauração de processo disciplinar e deliberou a aplicação da sanção aplicada (factos 17, 18, 19, 20 e 21).
Dito por outras palavras, quem surge a exercer o poder disciplinar é a Comissão Liquidatária e não o Dr. K….
Assim, não devendo esquecer-se que sobre o autor recaía o ónus de alegar e provar que o Dr. K… tinha competência para exercer o poder disciplinar, cabia-lhe alegar os factos necessários para alcançar esse objectivo.
Acontece, porém, que o autor não fez essa alegação. Pelo contrário, como o elucida o artigo 12.º da contestação, a sua alegação até está implicitamente a assumir que o Dr. K… não tinha essa competência:
-“É incompreensível que, tendo um superior hierárquico conhecimento desta situação, com a gravidade que é atribuída pela Ré não tenha procedido pelo menos à proposta de instauração do processo disciplinar contra o Autor, tendo esta decisão sido tomada somente três meses após a ocorrência dos factos”.
Portanto, não estando alegado nem demonstrado que o Dr. K… tinha “competência disciplinar”, sempre falhava o pressuposto para se poder considerar que o início do prazo ocorreu com a recepção por aquele da mensagem electrónica enviada pela Dr.ª L….
Na verdade, só agora é que o autor veio sub-repticiamente sugerir que fez essa alegação, referindo-se ao Dr. K… como “superior hierárquico com poderes disciplinares”, deixando de passagem a afirmação, sem correspondência com a realidade, “conforme concluem, e bem, o Tribunal e a Recorrida”.
Concluindo, também quanto a esta questão improcede o recurso.
II.4.2 Numa última linha de argumentação vem o recorrente sustentar que o Tribunal a quo violou o artigo 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho, no que se refere à inexistência do pressuposto de impossibilidade imediata de manutenção da relação laboral visto que, a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho não foi imediata, dado o Recorrente não ter sido suspenso preventivamente, podendo ter retomado o serviço a qualquer altura, desde que tivesse alta médica.
Refere, ainda, acrescer o facto de a Recorrida ter demorado cerca de seis meses até ao envio da nota de culpa, e três até iniciar o processo disciplinar o que demonstra a falta de impossibilidade imediata de subsistência da relação de trabalho.
Retoma a recorrente a argumentação expendida na contestação ao articulado motivador do despedimento, onde defendeu qua a Ré, por inércia e de forma contraditória, reagiu ao comportamento culposo e com gravidade, somente passados três meses sobre os factos e concluiu o processo 9 meses depois. Por outro lado, nem sequer recorreu ao instrumento de suspensão preventiva.
A este propósito refere-se na fundamentação da sentença recorrida o seguinte:
- «Não nos parecendo que alguma medida disciplinar de cariz conservatório tenha a virtualidade de repor a confiança perdida pela R. no desempenho profissional futuro do A., até pela natureza das funções que exerce, mostrando-se irremediavelmente comprometida a subsistência do vínculo laboral. Conclusão que – ao invés do que é defendido na contestação – não é contrariada pela circunstância da R. não ter suspendido preventivamente o A., na pendência do procedimento disciplinar, tanto mais que este não estava sequer ao serviço, por se encontrar de baixa médica».
Adianta-se já concordar-se com o entendimento afirmado pelo tribunal a quo.
Dispõe o Artigo 354.º do CT, com a epígrafe “Suspensão preventiva de trabalhador”, o seguinte:
[1] Com a notificação da nota de culpa, o empregador pode suspender preventivamente o trabalhador cuja presença na empresa se mostrar inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição.
[2] A suspensão a que se refere o número anterior pode ser determinada nos 30 dias anteriores à notificação, desde que o empregador justifique, por escrito, que, tendo em conta indícios de factos imputáveis ao trabalhador, a presença deste na empresa é inconveniente, nomeadamente para a averiguação de tais factos, e que ainda não foi possível elaborar a nota de culpa.
Notar-se-á, em primeiro lugar, que as duas normas usam a expressão “pode”, significando isso, como parece evidente, que o empregador só procederá à suspensão preventiva do trabalhador se o entender necessário. Se determinar a suspensão preventiva conjuntamente com a notificação da nota de culpa, bastará que o empregador considere inconveniente a presença do trabalhador na empresa até desfecho do processo disciplinar (n.º1). Para a determinar nos 30 dias imediatamente anteriores à notificação da nota de culpa, é necessário que o empregador comunique essa decisão por escrito ao trabalhador, justificando “que, tendo em conta indícios de factos imputáveis (..), a presença deste na empresa é inconveniente, nomeadamente para a averiguação de tais factos, e que ainda não foi possível elaborar a nota de culpa”.
Em segundo lugar, como também parece resultar com clareza das normas, a suspensão visa, pelas razões referidas, obstar à presença do trabalhador na empresa. Não é forçosa, nem a sua aplicação é decisiva para aferir da gravidade dos factos, designadamente, na perspectiva do empregador.
No caso, como bem refere o Tribunal a quo, a necessidade ou conveniência de proceder à imediata suspensão do autor era questão que nem se colocava, visto ele estar ausente da empresa por se encontrar em situação de baixa prolongada. Mais, se porventura regressasse ao trabalho estando ainda a decorrer o processo disciplinar, nada impedia a Ré de então proceder à sua suspensão preventiva.
Portanto, com o devido respeito, o argumento não tem relevância.
No que respeita ao início do processo três meses após os factos e o tempo que demorou até à decisão final, sempre com o devido respeito, o argumento assenta num raciocínio que não é correcto, esquecendo o autor que justamente pelas razões que invoca, ou seja, a entidade empregadora não actuar tempestivamente em reacção a determinada infracção disciplinar, estabelece a lei um regime próprio no art.º 329.º, nomeadamente:
- O prazo de prescrição de um ano sobre a prática da infracção, ou o prazo de prescrição da lei penal se o facto constitui ilícito criminal, para o empregador exercer o poder disciplinar (n.º1);
- O prazo de caducidade de 60 dias para início do procedimento disciplinar, contando-se este a partir do conhecimento da infracção pelo empregador ou superior hierárquico com competência disciplinar (n.º2);
- Um outro prazo de prescrição, também de um ano, mas contado da data em que é instaurado o procedimento disciplinar, quando nesse prazo o trabalhador não seja notificado da decisão final (n.º3).
Vale isto por dizer que a questão que coloca tem a sua sede própria de discussão no âmbito deste regime.
Por conseguinte, também quanto a este ponto improcede o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, em consequência confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º 2, CPC).

Porto, 25 de Junho de 2018
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira